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Uma vida que caiba em nós

Essa ideia que nos foi ensinada desde cedo: a de que bastava estudar, se esforçar, ser dedicada, para que tudo desse certo. Agora, algo se quebrou. Estamos exaustos. Desacreditados. Olhando em volta e perguntando, sem muita certeza: era isso?

Imagem: Cansado, Ramón Casas.

Outro dia, li dois textos, não eram especialmente longos, nem escritos de forma brilhante, mas ficaram ali, em algum lugar entre a nuca e o estômago, latejando. Um falava sobre a nossa geração — os millenials — e essa ideia que nos foi ensinada desde cedo: a de que bastava estudar, se esforçar, ser dedicada, para que tudo desse certo. Agora, algo se quebrou. Estamos exaustos. Desacreditados. Olhando em volta e perguntando, sem muita certeza: era isso?

O outro texto falava sobre o amor ao trabalho. Não aquele amor nobre, criativo, que transforma. Mas um amor mais próximo da obsessão. Um amor que consome, desgasta, cobre tudo como poeira. E, no fim, fere.

Pensei em como passamos anos tentando caber numa ideia de sucesso que nos exigia inteiras. Ser apaixonada pelo que faz. Trabalhar com propósito. Dar o sangue, o coração, o tempo. Estar sempre disponível. Ser incansável. E, por algum tempo, fomos. Eu fui.

Agora há algo novo, embora ainda difuso. Um cansaço que não é apenas físico. É um esgotamento mais sutil, que às vezes parece tristeza, às vezes desorientação. É o corpo que continua andando, mas já sem rumo. Há quem esteja saindo. Há quem esteja voltando. Há quem simplesmente parou.

Estamos começando a entender que não se pode amar para sempre algo que não nos ama de volta. Que o trabalho não nos salvará. Que o reconhecimento, por mais brilhante, não é abrigo. E que não há salário que pague uma vida vivida às pressas, sempre à beira de si mesma.

O trabalho importa, claro. Mas não pode ser tudo. Não pode ocupar todos os quartos da casa. Não pode ser a única forma de sermos vistos, nem o único espelho onde buscamos sentido.

É hora de soltar. De perguntar menos “o que esperam de mim?” e mais “o que eu preciso para viver, de fato?”. O que pulsa, além do cargo? O que me sustenta, além da performance?

São perguntas incômodas. Incompletas. Mas, no desconforto, existe alguma chance, mesmo que pequena, de começarmos a desenhar uma vida menos hostil. Uma vida que caiba em nós.

 

Texto: Mariana Ciscato (jornalista, pedagoga e mestranda em Educação, Arte e História da Cultura. Escreve sobre desenvolvimento de carreira, educação e expressões culturais).