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Em defesa do inútil

Num mundo em que tudo tem que render, não render é uma forma de rebelião

Desde menino, tenho um amor quase religioso pelos inúteis. Sim, pelos imprestáveis.

Se todo aquele que se julga útil ousasse, por um instante, suspeitar da própria inutilidade, metade dos problemas do mundo acabaria. A frase exagera, escorrega, tropeça e cai de boca no exagero. Mas que querem? O absurdo é a lente mais honesta com que se pode enxergar o real. Só o desatino revela o que a lucidez censura.

Desde menino, tenho um amor quase religioso pelos inúteis. Sim, pelos imprestáveis. Neste mundo onde até a alma precisa ter CPF e produtividade, aquele que se nega a servir, a servir como coisa, como peça, como ferramenta, se torna um escândalo vivo. Um herege. Chamam de parasita, eu o chamo de herói. Um Dom Quixote sem Sancho, um Bartleby que diante da planilha, responde com a mais inesperada das recusas: preferiria não. A frase tão curta e tão vagabunda, é dinamite pura. Porque, num mundo em que tudo tem que render, não render é uma forma de rebelião.

Lembro de um vizinho que passou a vida inteira jogado na rede. Nunca teve carteira assinada, mas tinha sabedoria. Uma vez, quando lhe disseram que não fazia nada da vida, ele respondeu: Faço sim, faço questão.

O inútil tem essa grandeza: não entrega resultados, entrega enigmas. Onde os outros correm, ele contempla. Onde os outros produzem, ele boceja. E no bocejo dele há mais filosofia do que em todos os cursos do planeta.

Falta gente que se permita ser um pouco menos útil. Quem disse que ser útil é virtude? O carrasco é útil. O burocrata é útil. O algoritmo é útil. Já o inútil… o inútil é livre. O inútil dança.

 

Texto: Elias Cavalcante (Escritor, jornalista e publicitário. Escreve sobre o cotidiano).