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Vamos fazer o cinza parte da paleta de cores da vida?

Fomos convencidos de que precisamos opinar sobre tudo.

A vida, como diria Graciliano Ramos, é um eterno rasgar-se e remendar-se. E há um momento, quase imperceptível, em que a gente se cansa. Não apenas de viver, mas de repetir, de ecoar comportamentos que parecem copiados e colados de uma sociedade adoecida. Uma sociedade que vive entre extremos, como se o meio fosse um território proibido.

Vivemos tempos em que tudo parece ter que ter uma opinião. Um rótulo. Em que a convivência, essa arte delicada de coexistir com o outro, se tornou quase um campo de batalha. E talvez o mais difícil da vida nunca tenha sido viver… mas conviver! Conviver com as verdades que não cabem nas nossas.
Fomos convencidos de que precisamos opinar sobre tudo. Ter uma resposta para tudo. E mais: que essa resposta seja pública, compartilhável, performática.

Mas, pasme: nem tudo é preto ou branco. E entre o 8 e o 80 há uma vasta paleta de cinzas, e claro, tons que nem têm nome. Mas o maniqueísmo tem preguiça das nuances. Ele exige que sigamos um script invisível. Um script que, se não seguido à risca, nos exclui. Nos cancela. Como se a contradição não fosse humana.
No fundo, todo mundo só quer ser feliz. Ter conforto. Ter alguém pra chamar de lar. Mas em meio à gritaria coletiva, esquecemos do essencial. Esquecemos que somos pequenos. E finitos. E só nos lembramos disso quando a vida nos dá um chacoalhão.

Dois anos e meio atrás, a morte bateu na minha porta. Levou meu irmão. Depois, minha avó. Foi como cair num poço sem fundo, onde nada fazia mais sentido. E ali, na dor mais dilacerante que já senti, percebi que muito do que a gente posta, defende, performa… é só verniz. Marketing pessoal que finge ou até aspira ser consciência. Um manual de marca que exige que sejamos impecáveis, ao menos do lado de fora.

Mas a prática… ah, a prática! Ela desmonta a teoria em silêncio. E tudo bem. Somos humanos. Somos falhos. Vivemos em bolhas, com nossos medos e interesses… E quando sobra tempo (ou culpa) estendemos a mão. O problema é vender o que não se pode entregar. É cobrar do outro uma coerência que não damos conta de manter nem dentro de casa.

Então, que tal parar de tentar mudar o mundo com frases frases bonitas no Instagram? Que tal começar por algo mais simples, mais real, mais humano? Um gesto. Uma escuta. Uma presença. Porque enquanto o mundo ideal não chega, spoiler: talvez nunca chegue, há uma vida real pedindo menos discurso e mais ação.
E, por favor, deixem o cinza existir, a paleta pode ser imensa (desde que que saiba coexistir, ou seja, conviver). Nem toda discordância é uma ameaça. E nem toda verdade precisa ser dita aos gritos. As vezes ela é óbvia e não precisa de validação toda hora.

Sim, vamos lutar. Por justiça social, igualdade, oportunidades e muito mais! Mas que seja consistente e real. Porque o grito que só agride não convence. Só cansa. Só ecoa no vazio. O famoso gol contra…
Que a nossa evolução seja real. E lenta, se precisar. Mas honesta e coerente! Que transforme mais do que impressione. Que abrace e aproxime mais. Porque no “vamovê” da vida, a história é bem diferente do marketing pessoal de Instagram.

 

Texto: Felipe Gonçalves (Jornalista, ator, publicitário e mestre em Data-Driven Marketing pela Universidade Nova de Lisboa).