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Quem disse que criatividade é dom

“Se a inspiração chegar, que ela me encontre trabalhando.”

Existe uma frase atribuída a Picasso que diz que, se a inspiração chegar, que ela me encontre trabalhando. Começo com essa frase porque andei pensando sobre criatividade. Ou, mais precisamente, sobre o lugar que reservamos a ela — e quem deixamos sentar ali.

Por muito tempo, essa palavra esteve cercada por uma espécie de névoa sagrada. A criatividade como uma dádiva que desce do céu sobre os escolhidos: os artistas, os gênios, os inspirados. E nós, os demais, assistimos de fora, acreditando que somos feitos de outra matéria, mais opaca e menos radiante.

Com o tempo, essa ideia foi se desmanchando. Já se admite, com menos resistência, que criar não é um milagre, e sim um gesto cotidiano. E, sobretudo, que não pertence apenas a quem se apresenta como artista.

Não sou artista. O mais próximo que chego disso, hoje, é o fato de estar aprendendo a bordar. Minha mãe me deu um kit com bastidor, linhas, agulhas — como quem entrega um terreno vazio, um espaço em branco, e diz: faz alguma coisa com isso. E ali estou, todas as semanas, errando pontos, desmanchando, recomeçando — uma atividade vagamente inútil que, aos poucos, começou a me parecer essencial.

Lembro de Hedy Lamarr. Era atriz, conhecida pela beleza e pelos papéis no cinema. E foi ela quem inventou um sistema de comunicação por ondas que, mais tarde, se tornaria a base do Wi-Fi e do Bluetooth. Gosto de pensar que ela fez isso não porque se achava genial ou criativa, mas porque viu um problema e resolveu trabalhar em cima dele.

Tudo isso pra dizer que criatividade não é um dom místico, reservado a meia dúzia de iluminados. É a coragem de enxergar o que está faltando — e agir. Mesmo que seja algo pequeno, imperfeito, ou comece com um ponto torto no bastidor.

Texto: Mariana Ciscato (jornalista, pedagoga e mestranda em Educação, Arte e História da Cultura. Escreve sobre desenvolvimento de carreira, educação e expressões culturais).