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O trauma, a psicanálise e a novela

No Brasil, a TV – que deveria ser, apenas, uma forma de entretenimento – tem um papel educativo. A novela, embora seja uma obra de ficção, pretende ser o retrato da realidade social. Por tudo isso, muito me preocupou quando a novela “O outro lado do paraíso:, por meio da personagem Laura, retratou seu drama como vítima de abuso sexual na infância.
Infelizmente, este, sim, é um problema real. E muitas vezes, ocorre dentro de casa – praticado por um parente ou alguém próximo da vítima – que passa a conviver com efeitos muitas vezes devastadores em sua subjetividade.
Mas voltando à novela, sabendo que muitas pessoas se informam por meio dela – e assim, vão se constituindo culturalmente – senti a necessidade de fazer alguns esclarecimentos.
A personagem Laura vivia um conflito relativamente velado com o padrasto. Casou-se, mas tem medo de relacionar-se sexualmente com o marido. Obviamente, havia algo errado em tudo isto … Até que a heroína da trama, Clara, decide ajudá-la e, em parceria com seu fiel escudeiro, o advogado Patrick, conduz Laura à sua meia-irmã Adriana – que todos acreditavam ser apenas advogada, mas também fazia hipnose.
Nas sessões, em estado alterado de consciência, Laura entende a raiz de seu medo de sexo: quando menina, fora abusada pelo padrasto, o delegado. A partir da constatação, a personagem faz uma denúncia e, de agora em diante, este será o foco dos próximos capítulos do folhetim das 21h.
Será que a novela vai mostrar o que realmente Laura precisa para desvendar-se dos efeitos deste trauma? Será que as pessoas, agora, entenderão que a hipnose é a solução para um trauma ou uma angústia?
Respeito a hipnose, mas ela, em si mesma, não tem poder de ação. Não vai transformar … Não é uma técnica que eu, como psicanalista, adoto.
Na novela, foi o gatilho para que Laura acessasse algo tão dolorido que, para dar conta da realidade, inconscientemente ficou escondido, ou recalcado, como dizemos na Psicanálise.
Uma vez que este trauma se revelou, algo precisa ser feito. Não se trata de buscar soluções mágicas, até porque, elas não existem. Mas sim, percorrer um caminho de “libertação” – e um deles é a Psicanálise.
Freud, o criador da Psicanálise, sempre reafirmou o valor curativo do falar, lembrando que o que não foi dito, vira sintoma. Disse mais: “ … a voz do inconsciente é sutil, mas ela não descansa até ser ouvida”. Resumindo: não dá para esconder tudo sob o tapete.
Traumas precisam ser elaborados. E esta elaboração – ou reparação da própria subjetividade – é um processo que a pessoa vivenciará com o apoio do analista. Passo a passo. Sem número de sessões pré-determinadas.
Por fim, vale lembrar: nem sempre encontramos respostas aos nossos sofrimentos no mundo da novela. Sim, elas são divertidas, por vezes emocionantes; podem nos inspirar ou fazer com que nos identifiquemos com um personagem ou situação. Mas são obras de ficção, não conseguem relatar a realidade como ela realmente é apesar dos esforços de autores talentosos. Nada, nada mesmo, é mais importante do que nós mesmos e o que sentimos. E não há nenhum incômodo que mereça ser cultivado.

  • Débora Damasceno (bacharel em Filosofia)