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Meu pai: “um empreendedor do lixo”

Hoje, mais do que nunca, eu compreendo que as dificuldades que passamos na vida só nos fazem crescer.

Como presidente do Consimares (Consórcio Intermunicipal de Resíduos Sólidos) participo de muitos eventos sobre a destinação correta de resíduos sólidos, que ainda chamamos de “lixo”. Visitei plantas de tratamento destes materiais na Alemanha e nos Estados Unidos. Conheci modernas tecnologias para separar, triturar e reaproveitar todo tipo de resíduo, que se transforma de novo em matéria-prima e faz girar um mercado que movimenta milhões de dólares em todo o mundo.

Em todos estes lugares me lembrei do meu pai. Quando era criança, meu pai era meu ídolo porque sustentava a casa e nos ensinava valores morais como o respeito, a responsabilidade e a importância do trabalho para conquistar nossos sonhos. Eu era a sombra do meu pai. Onde ele pisava, eu pisava também.

E esses passos, durante alguns anos, incluíram o antigo “lixão” do Jardim Conceição, em Nova Odessa. Foi lá, com meus nove ou dez anos, que aprendi a reconhecer o caminhão de lixo que vinha dos bairros mais “ricos” e trazia os mais “nobres” materiais de reciclagem. Muito papelão grosso, resíduo mais limpo, alumínio, ferro. Dali, eu e meu irmão tirávamos a primeira refeição do dia.

Meu pai nos ensinou a abrir os sacos de lixo, espalhar tudo e começar a separar os materiais de acordo com a sua “qualidade”. Tudo o que era metal tinha maior valor. Depois papelão, papel limpo, plástico e assim por diante.

Depois de tudo separado, colocávamos na carroça e entregávamos para o comprador. E dali em diante não imaginávamos o que era feito daquele material. Apenas sabíamos que o dinheiro resultante daquilo virava comida nas panelas lá de casa.

Um dia chegou no lixão um homem de terno, coisa rara de se ver naquele ambiente. E começou a comprar nosso papelão. Nos deixou uma prensa para que pudéssemos embalar tudo e alguém vinha pegar a cada 15 dias. Foi com esse dinheiro que, alguns meses depois, meu pai comprou nossa casa. Ali pensamos que as coisas começariam a melhorar. Infelizmente logo depois meu pai faleceu e por muito tempo passamos por dificuldades, que com certeza nos ajudaram a crescer.

Recentemente vi uma pesquisa da ONU (Organização das Nações Unidas) que aponta que os maiores geradores de resíduos são os países mais desenvolvidos. Assim como o caminhão dos bairros “mais ricos” tinha o melhor resíduo.

Hoje, nas plantas mais desenvolvidas, as esteiras utilizadas para separar o lixo passam por uma espécie de imã gigante, que “suga” os metais, facilitando a separação. Igual ao que eu e outros meninos fazíamos no lixão, só que com as mãos.

Somos hoje sete bilhões de seres humanos que produzimos anualmente 1,4 bilhão de toneladas de resíduos sólidos urbanos.   Cada ser humano gera, em média, 1,2 quilo de lixo por dia, segundo a ONU.

Hoje eu sei que meu pai era um empreendedor da área de resíduos sólidos. Alguém que lá nos anos 80 enxergou o que hoje os pesquisadores apontam como uma necessidade para conservarmos nosso planeta e evitar que as futuras gerações vivam em uma pilha de lixo.

*BENJAMIM BILL VEIRA DE SOUZA é prefeito de Nova Odessa desde 2013; é também presidente do Consimares e do Consórcio PCJ.