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A ilusão da arma

Ao longo dos meus 50 anos de consciência, tenho visto todo tipo de argumento a favor e contra a posse de armas. E essa discussão, curiosamente, é despertada mais quando ocorrem massacres nos Estados Unidos da América do que assassinatos no Brasil. É claro que os massacres com armas de guerra impressionam mais.
Alguns argumentos são honestos, outros completamente simplórios. A primeira a ser notada é que o porte de arma não aumenta a segurança de ninguém. Os casos em que o cidadão tem oportunidade de revidar são raros, pois, em geral, os bandidos atacam em grupo. E nessa situação desvantajosa, reagir é de extrema burrice. Basta observar os policiais assassinados, a maioria estava armada e não conseguiu reagir.
Algumas entidades estadunidenses aproveitaram o debate para destacar uma realidade que passa despercebida: o número anual de pessoas que cometem suicídio usando armas de fogo é muito maior do que o número de vítimas de homicídios cometidos com essas armas.
É o que revelam os dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e é estarrecedor, pois cerca de 19 mil das 31 mil mortes por armas de fogo que acontecem anualmente nos Estados Unidos são suicídios. Isso representa 61,3% das mortes por arma de fogo.
Apesar desse número chocante, muitos simpatizantes das armas não enxergam a gravidade. O problema principal é a eficácia das pistolas e fuzis quando comparados com outros métodos. Dos que tentam se matar usando armas de fogo, 85% resultam em morte. Quando alguém tenta matar-se com outras maneiras, como o uso de medicamentos, apenas 2% do total morre. É o que preocupa as autoridades e os profissionais de saúde dos EUA.
Diversos psiquiatras e psicólogos destacam que não só se deve examinar os motivos que levaram alguém a querer tirar a própria vida, mas também é importante analisar como a pessoa tentou se suicidar. É o que pensam os cientistas da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard que criou o projeto “Means Matter” (Os Meios Importam) procurando destacar o papel de armas de fogo em suicídios.
A diretora do Means Matter, Dra. Catherine Barber, já analisou centenas de suicídios e o que mais chama a atenção é que em muitos casos de suicídio ocorreu algum evento que atuou como gatilho, como uma separação, uma discussão doméstica, ou problemas na escola.
A maioria dos que querem tirar a própria vida dedica pouco tempo ao planejamento do suicídio. Tudo é feito de impulso e se o método eleito é uma arma, há poucas chances que o suicida se arrependa de sua decisão. Os pensamentos suicidas não costumam durar muito tempo. Aparecem e logo se vão. Só uma minoria de pessoas permanece em estado suicida durante um longo período de tempo.
Já o Dr. Kenneth Duckworth, psiquiatra e diretor médico da Aliança Nacional para Doenças Mentais, afirma que nos estados com mais armas são os que têm níveis mais altos de suicídios, como Wyoming, Montana, Alasca e Nevada. Por outro lado, os nove Estados com menor número de proprietários de armas são aqueles que apresentam os menores índices de suicídio. Bons motivos para se pensar sobre essa ilusão.