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A política e o machismo patológico

Ser mulher no Brasil não é fácil. Ser mulher e política é ainda mais difícil. Por maiores que sejam nosso grau de instrução e nosso conhecimento sobre a área em que atuamos, temos de trabalhar dobrado e provar competência o tempo todo para ganhar, em média, 30% menos que os homens. O sistema patriarcal – que sustenta o capitalismo e tem a figura masculina como centro – exige que trabalhemos como homens para que possamos ser reconhecidas como mulheres produtivas, dentro e fora de casa. Nesse processo cruel, o machismo é um instrumento de controle, que muitas vezes se manifesta de forma violenta.

Violência como a que vimos no último dia 21 de setembro, durante sessão da CPI da Pandemia. Encurralado pela senadora Simone Tebet, ao ser questionado sobre a fiscalização do contrato da vacina Covaxin, o ministro da CGU (Controladoria-Geral da União) Wagner Rosário disse que ela estava “descontrolada” e deveria reler o processo.

Mesmo que imaginemos que tenha agido a partir de um machismo inconsciente, o ministro se deu mal, pois tentou tachar de histérica, incompetente, incapaz e despreparada uma congressista que leu a vasta documentação mais de uma vez e a conhece como poucos na CPI. Resultado: chegou à comissão como testemunha e saiu como investigado.

Nos espaços de poder, a violência psicológica produz na vítima o sentimento de humilhação, fazendo com que ela se sinta incapaz e despreparada para o ofício ao qual se propôs a exercer. É como se o agressor dissesse: “você não deveria estar aqui”.

Outro caso de violência contra mulheres em cargos públicos ocorreu no norte do nosso país. Em Oriximiná, município localizado no oeste do Pará, o prefeito William Fonseca é acusado de espalhar boatos na cidade de 74 mil habitantes sobre a vida sexual de três vereadoras de oposição. Os ataques ocorreram após elas votarem a favor da abertura de um processo de cassação que apura a contratação excessiva de funcionários.

A tática, nesse caso, é desqualificar as denunciantes a partir de um julgamento moral por parte da população. Colocá-las em “praça pública”, atribuindo a elas relacionamentos extraconjugais, para serem “apedrejadas” e descredenciadas ao exercício do cargo para o qual foram eleitas legitimamente. Isso é violência violência política, difamação.

É preciso enfatizar que violência política é crime previsto na lei federal 14.192/2021, criada para assegurar o direito da mulher ocupar seu espaço na política. A pena prevista varia de um a quatro anos de reclusão e multa e pode ser ampliada em um terço caso a prática seja cometida contra gestante, maior de 60 anos e mulher com deficiência.

O machismo é patológico, não tem vergonha nem limites. Em dezembro do ano passado, a Assembleia Legislativa de São Paulo transmitiu ao vivo o momento em que o deputado Fernando Cury passou a mão no seio da parlamentar Isa Penna, em pleno plenário, durante a votação do orçamento do estado para 2021. Num acordo entre cavalheiros, a importunação sexual foi resumida a apenas 180 dias de suspensão do mandado de Cury, que poderá voltar a legislar em outubro, como se nada tivesse acontecido.

Se o machismo dá guarida a ataques como o flagrado no Parlamento paulista, é inacreditável o que acontece com as mulheres nos bastidores da política brasileira. Quem não se lembra de quando o então deputado Jair Bolsonaro disse que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela não merecia, por ser “muito feia”? Diante dessa afirmação, cabe a pergunta: alguém merece ser vítima de tamanha brutalidade?

Quando a violência contra a mulher não é combatida, seja no ambiente doméstico, político ou corporativo, pode evoluir ao último estágio, que é o assassinato. O feminicídio político da vereadora Marielle Franco, cometido em março de 2018, no Rio de Janeiro, e ainda sem solução, é um exemplo do ápice da violência política contra mulheres.

Não podemos nos calar, nos intimidar e desistir da política por conta de comportamentos machistas, misóginos e criminosos como os relatados acima. Precisamos fazer valer nossos direitos. Afinal, somos mais da metade da população e precisamos continuar lutando para que essa representatividade se faça em todos os espaços de poder, inclusive na política.

Uma grande aliada nessa luta é a Procuradoria Especial da Mulher (que, inclusive, foi determinante no caso do Pará), em funcionamento em câmaras municipais e assembleias legislativas e um instrumento pelo qual lutamos no Congresso Nacional, quando presidimos a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e coordenamos a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres no Congresso Nacional.

O importante é seguir lutando por uma sociedade em que a capacidade e a competência não sejam mensuradas de acordo com a cor da pele, sexo, origem, idade ou religião.

Ana Perugini é funcionária pública do TJ-SP, com formação em direito pela PUC-Campinas e pós-graduação em gestão pública pela FGV/Perseu Abramo. Mãe de três meninas, foi vereadora, deputada estadual e federal, quando presidiu a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. É autora do projeto que cria o PIB da Vassoura