Tinha um vaso sanitário no meio do caminho. Branco, solitário, encostado no meio-fio. Um trono fora de contexto, porque o contexto, no caso, era a calçada de um bairro de Nova Odessa.
Dias atrás, este jornal publicou uma matéria sobre o drama do pedestre moderno: desviar de entulho. Tinha sofá, geladeira, armário e, como cereja do bolo, um vaso sanitário. A reportagem denunciava o descaso da prefeitura, mas também revelava um Brasil profundo, onde móveis saem de casa por conta própria e vão morar na rua.
Entre os depoimentos, uma senhora disse que quase tropeçou no vaso. Imagino a cena: o susto, o equilíbrio recuperado por um triz, e aquele olhar desconfiado, como quem suspeita que o mundo está mesmo indo pelo ralo. Ou seria pelo vaso?
O que me intriga, mais do que o abandono urbano, é a coreografia da coisa. Alguém acordou, tomou café, olhou pro vaso, pensou: “é hoje.” E foi lá, arrastando o trono pela calçada, até deixá-lo ali, na encruzilhada entre o privado e o público. Um gesto simbólico, quase poético.
Em qualquer outro lugar do mundo, Paris, por exemplo, o acontecimento atrairia uma multidão, gente tirando selfie, críticos chamando aquilo de “intervenção urbana”. Ganharia prêmio, nota em revista gringa, e retrospectiva no MAM. Mas não. Aconteceu no interior paulista, mais precisamente no bairro Jardim Éden, em Nova Odessa. E, até o fechamento desta crônica, a prefeitura ainda não soube dizer o que fará com o vaso.
Texto: Elias Cavalcante
(Escritor, jornalista e publicitário. Escreve sobre o cotidiano com humor e uma boa pitada de ironia).