No mesmo dia em que José Mujica, o ex-presidente do Uruguai que andava de fusca, doava 90% do salário e usava sandálias, se despediu do mundo, Virgínia Fonseca, influenciadora, garota-propaganda de sites de aposta e empresária do próprio rosto, foi depor na CPI das Bets.
Há coincidências que não são coincidências, são diagnósticos.
Mujica acreditava em pouca coisa, mas acreditava de verdade: que a vida boa era a simples, que o tempo vale mais do que o dinheiro, que o mundo precisa de menos consumo e mais afeto. Dizia isso com um jeito manso, e a gente ouvia.
Virgínia virou celebridade por tratar a vida como vitrine: tudo à venda, tudo com cupom, tudo muito feliz. Fez fortuna explorando a miséria financeira e emocional de quem a segue, gente simples, quase sempre pobre.
Na televisão, o noticiário não sabia bem o que fazer: um bloco com a homenagem a Mujica, o outro com as perguntas dos senadores pra Virgínia, que encarava a sessão na CPI como se fosse mais uma publi. Uma tela dividida entre um silêncio que dizia muito e um barulho que não dizia nada.
Mujica se despediu da vida discreto. Virgínia chegou ao Senado de blusa de moletom, óculos e garrafa rosa, ajeitando o cabelo em busca do melhor ângulo.
Não é comparação. É só retrato. Um retrato bem enquadrado do que a gente foi, do que a gente é e, com alguma sorte, do que a gente ainda pode decidir não ser.
Morreu Mujica. Virgínia foi à CPI. Tudo no mesmo dia. A história piscou pra gente. Mas a gente tava ocupado olhando pro celular.
Texto: Elias Cavalcante
(Escritor, jornalista e publicitário. Escreve sobre o cotidiano com humor e uma boa pitada de ironia).