Eu sempre me achei meio muitas coisas: meio bonito, meio inteligente, meio estranho, meio bom de bola. O meio, veja bem, é o disfarce perfeito, é a covardia vestida de moderação. E se começo pelo esboço indecente de uma filosofia barata, é porque não sei fazer diferente. Começo pelo meio, essa zona cinzenta onde se escondem os medrosos, os educados, os indecisos e, claro, os cronistas.
Foi no meio dessa vida que apareceu o nome mais genial que já ouvi: Meia Boca Futebol Clube. O time em que jogo, ou melhor, em que participo, pois o verbo jogar exige uma entrega que, sejamos honestos, poucos ali realmente praticam.
Toda terça-feira, oito da noite, estamos lá: vinte homens com barrigas proeminentes e uma bola que insiste em escapar dos nossos melhores esforços. Fazemos gols sem querer, tomamos gols por convicção. E depois, claro, vem o que importa: o churrasco. Porque a carne cura. A cerveja, ainda que superfaturada, redime.
Meia Boca Futebol Clube é o meu tratado de resistência. Ninguém quer ser estrela, cada um joga com a dignidade possível para um corpo que já não responde aos comandos do espírito que, tolo, ainda acredita em dribles.
Não faz muito tempo, tive um surto de autoestima e resolvi tentar de novo. Campo grande, grama de verdade, chuteira apertada e juiz. A várzea me chamou com seu canto de sereia e eu fui. O primeiro jogo foi promissor: marquei presença, distribuí passes conscientes, errei com elegância. Tudo indicava que minha volta triunfal estava apenas começando. Mas aí o churrasco rareou e descobri, com certa dor, que naquele ambiente a performance pesava mais que a resenha. A alma ainda corria, mas o corpo já tinha voltado pro sofá. Até que veio o momento: “Cara, acho que não tá mais rolando.” E eu fui gentilmente convidado a me retirar. Uma dispensa. Uma demissão cordial. Um chute no ego.
Fiquei triste? Claro. Sou brasileiro. Homem adulto. Tenho sentimentos e histórico de lesões. Mas voltei pro Meia Boca com ainda mais convicção: é o lugar dos que desistiram com classe, dos que preferem rir a correr, dos que sabem que a beleza do futebol não está na vitória, mas na desculpa.
E a gente tem muitas.
P.S.: Escrevi esta crônica sob a gentil coação dos meus companheiros de time, que disseram, com a ternura de um carrinho por trás: “Fala da gente ou nunca mais você faz um gol aqui.” Está falado, senhores. Considerem a dívida quitada.
(Escritor, jornalista e publicitário. Escreve sobre o cotidiano).