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Entre o dendê e o destino: a história da Baianinha que levou a Bahia para o interior de São Paulo

Na entrevista que você vai ler hoje, CryzzSenna, a carismática Baianinha de Americana, abre o coração e conta como largou tudo para seguir seu propósito: levar o sabor e a alma da Bahia ao interior de São Paulo.

Foto: Divulgação

Aroma de dendê no ar, cores vibrantes nas roupas e no sorriso, música que embala o coração e uma energia que abraça quem entra. É assim que começa a experiência no Bistrô do Acarajé Brasil, um cantinho encantado de apenas 12 metros quadrados que carrega toda a força e o axé da Bahia em pleno interior paulista.

À frente desse espaço está CryzzSenna, ou simplesmente a Baianinha. Mulher arretada, acolhedora, cheia de fé e histórias. Nascida Cristiane Batista dos Santos Rebouças de Sena, ela transformou a própria vida ao trocar o ramo imobiliário pelos tachos de cobre, pelas receitas de família e pelos sabores sagrados da culinária de terreiro.

Com mais de 50 figurinos típicos no guarda-roupa, ela faz questão de manter viva cada detalhe da cultura baiana, não apenas no prato, mas no gesto, na fala, na música e na decoração. O Bistrô é mais que um restaurante. É um portal afetivo para quem sente saudade da terra natal ou quer conhecer de verdade o tempero da Bahia.

Nesta entrevista, Cryzz conta como tudo começou, os desafios enfrentados, a relação com os clientes e o que significa empreender com alma, fé e raiz. Prepare o coração e o apetite para mergulhar nessa história de coragem, ancestralidade e transformação.

1) Quem é a Baianinha por trás do Bistrô do Acarajé? Conta um pouco da sua origem e da sua história com a culinária baiana.

A Baianinha sou eu, CryzzSenna, nascida Cristiane Batista dos Santos Rebouças de Sena. Sou soteropaulistana, como costumo dizer: nasci em São Paulo, mas fui criada entre Salvador e Santa Terezinha, no interior da Bahia. Vivi ali até os 16 anos e foi nesse chão baiano que absorvi minhas raízes, meu axé, meu tempero e minha fé.

Há 25 anos moro em Americana (SP). Por muito tempo fui empresária no ramo de locação de imóveis, atividade que mantive por 14 anos. Mas minha vida mudou completamente quando decidi largar tudo e seguir meu coração, cozinhar. Em 2017, comecei vendendo pães e bolos de receita de família, feitos no tacho e levados de porta em porta. Foi ali que dei os primeiros passos no universo da gastronomia.

A comida sempre esteve presente na minha história, mas nunca imaginei que ela seria minha missão de vida. Hoje, à frente do Bistrô do Acarajé Brasil, me reconheço como uma mulher de axé, guerreira, alegre, acolhedora e apaixonada pelo que faz. Sou uma baiana autêntica, que ama vestir seus 50 figurinos típicos, colocar um sorriso no rosto e receber os clientes como se estivessem entrando na Bahia, mesmo estando no interior de São Paulo.

2) Quais são as suas primeiras lembranças com o acarajé? Foi algo que aprendeu em família ou teve que descobrir sozinha?

Minhas primeiras lembranças com o acarajé vêm das ruas da Bahia, das festas populares, das feiras, dos tabuleiros de baiana. Era impossível não se encantar com aquelas mulheres fortes, vestidas de branco, preparando tudo com tanto amor. Aquilo me marcou profundamente.

Na minha família, sempre tivemos uma relação muito íntima com a comida. Aprendi observando minha avó e minhas tias. O cheiro do dendê, o ponto da massa do acarajé, o jeito de temperar nasceram dentro de mim. Mas o acarajé, em especial, foi um chamado. Num momento de busca, pedi ajuda à minha ancestralidade e foi como ouvir uma voz sussurrando no cantinho da orelha, me guiando.

Mesmo com essa herança viva em mim, também precisei me aprofundar sozinha. Com o tempo, fui testando, errando, acertando e lapidando o meu próprio jeito de fazer. Hoje, meu acarajé carrega a força da minha ancestralidade e também a minha identidade. É um prato que fala de mim.

3) Como surgiu a ideia de abrir o Bistrô do Acarajé Brasil? Teve um momento específico que despertou esse sonho?

A ideia nasceu do desejo de honrar minhas origens e levar a Bahia comigo onde quer que eu estivesse. Depois de sair do ramo imobiliário, comecei a cozinhar por necessidade, vendendo bolos e pães. Mas com o tempo percebi que aquilo era muito mais do que um sustento, era um chamado.

O momento em que decidi abrir o Bistrô veio da necessidade de criar um espaço com a minha cara, com minha alma. Queria mais do que servir comida, queria oferecer uma experiência completa, um mergulho na cultura, na fé e nos sabores da Bahia. O sonho nasceu de forma simples, mas com muita verdade. E assim surgiu o Bistrô do Acarajé Brasil, com coragem, sacrifício e muito amor.

4) Quais foram os maiores desafios que você enfrentou até conseguir abrir o bistrô?

Foram muitos. O primeiro foi abrir mão da segurança financeira que eu tinha no ramo imobiliário. Depois, enfrentar o preconceito e a desconfiança de quem não acreditava que comida de baiana teria espaço no interior de São Paulo.

Enfrentei dificuldades financeiras, limitações de espaço, o bistrô tem apenas 12 metros quadrados, falta de apoio e muito cansaço. Teve dias em que pensei em desistir. Mas minha fé, minha ancestralidade e a força que carrego me fizeram continuar.

Outro grande desafio foi manter a autenticidade da comida de terreiro fora da Bahia. Mas nunca abri mão dos ingredientes certos, dos rituais e do respeito ao que essa comida representa. Hoje vejo que cada obstáculo foi uma lição, e cada conquista tem um valor imenso.

5) O Bistrô tem uma identidade muito forte, cheia de cultura e axé. O que você quer que as pessoas sintam quando entram no seu espaço?

Quero que as pessoas se sintam acolhidas, abraçadas pela energia da Bahia. O bistrô foi pensado como um cantinho baiano em pleno interior paulista. A decoração com peças típicas, as roupas de baiana, o cheirinho de dendê, o som do atabaque, tudo convida a uma imersão.

Mais do que comer, quero que as pessoas vivam uma experiência. Que sintam alegria, nostalgia, fé, pertencimento. Que lembrem da infância, da família, da terra natal. Que se sintam em casa, mesmo que seja pela primeira vez ali.

6) Tem algum prato do cardápio que tenha uma história especial ou um significado maior pra você?

Sem dúvida, o acarajé. Ele é o rei do bistrô, e eu me sinto a rainha dele. É mais do que um prato, é um símbolo. Cada bolinho que preparo carrega ancestralidade, fé e afeto. Falo com a comida enquanto cozinho, acredito que ela sente nossa energia.

O acarajé me reconectou com quem eu sou, me deu um novo rumo e me trouxe de volta à minha essência. Ele representa tudo: minha infância, minha cultura, minha força como mulher e como empreendedora. Por isso, merece destaque e respeito.

7) Como você mantém a tradição da comida de terreiro e da culinária baiana fora da Bahia?

Com muito respeito, cuidado e amor. Uso ingredientes autênticos: o dendê é de verdade, o camarão é seco, o vatapá é feito com paciência. Sigo as receitas da minha família ancestral e mantenho a espiritualidade que envolve esse preparo.

A comida de terreiro exige silêncio, concentração e fé. Quando estou na cozinha, tudo tem um tempo, um ritmo. A tradição é mantida não só pelos sabores, mas pela energia com que tudo é feito. E os clientes percebem isso. Sentem o axé.

8) Como é a sua relação com os clientes? Tem alguma história marcante que viveu com alguém que passou pelo bistrô?

Minha relação com os clientes é de muito carinho. Gosto de conversar, saber de onde vieram, por que escolheram o Bistrô. Me emociono com histórias que escuto todos os dias. Já recebi pessoas que choraram ao provar o acarajé, dizendo que se sentiram na casa da avó ou de volta à Bahia depois de anos.

Teve uma cliente que me disse que meu bistrô curou a saudade que ela sentia da terra dela. Isso me tocou profundamente. Porque mais do que alimentar o corpo, estou alimentando memórias e afetos.

9) Que conselho você daria para outras mulheres que querem empreender valorizando suas raízes?

Sejam fiéis a quem vocês são. Não tenham medo de colocar a alma no que fazem. Honrem suas raízes, suas histórias, suas vozes. Empreender com verdade é difícil, mas é também libertador. Não se moldem ao que esperam de vocês, criem seu próprio caminho.

Acreditem na força da ancestralidade, no poder da comida feita com amor e nas histórias que carregam. E nunca esqueçam: a nossa cultura é resistência. É identidade. Quando você empreende com propósito, o universo conspira a favor.

Bistrô do Acarajé Brasil

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