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Do Recession Core à CPI: Como a Moda Virou Arma de Comunicação em Tempos de Crise

Em um momento em que a estética “recession core” — com sua nostalgia dos anos 2000 e celebração de peças despretensiosas — volta a dominar as ruas em meio a crises econômicas.

Em um momento em que a estética “recession core” — com sua nostalgia dos anos 2000 e
celebração de peças despretensiosas — volta a dominar as ruas em meio a crises
econômicas, a moda se revela mais do que nunca um termômetro social. Seja pela busca
de conforto em tempos incertos ou pela necessidade de transmitir mensagens sem
palavras, nossas escolhas vestíveis carregam camadas de significado. Essa reflexão me
inspirou a revisitar um tema urgente: “A Moda por Trás das Roupas”.
Longe de ser um universo fútil, a moda hoje é território de expressão identitária e política. Já
não se restringe a polêmicas sobre modelos ou peças luxuosas para elites, mas abriga
debates sobre ética e sustentabilidade. Perguntas como “Quem fez minhas roupas?”, “Qual
a origem deste material?” ou “Quais práticas esta marca adota para reduzir impactos
ambientais?” ecoam na voz de uma geração cada vez mais consciente.
Essas preocupações revelam uma lacuna: a falta de transparência das empresas.
Refletindo sobre qual indústria não envolve questões urgentes, percebemos que poucas
priorizam algo além do lucro. Mesmo bem camuflados, os problemas surgem — como os
padrões estéticos excludentes que ainda persistem. Mas antes de mergulharmos na história
da moda, vale um parêntese: as roupas também são armas de comunicação estratégica.

‘Less is more’ (‘Menos é mais’) traz a peça volumosa de tule criada por Viktor e Rolf. Foto: François Guillot/ Afp

Moda como Narrativa (ou Distração?)

Um exemplo recente é o da influenciadora Virginia Fonseca na CPI das Bets. Seu moletom
oversized estampado com o rosto da filha — um visual deliberadamente infantilizado — não
era mero acaso. Em um cenário de questionamentos sobre apostas ilegais, a peça deslocou
o foco para uma imagem de “mãe despretensiosa”, suavizando a seriedade do contexto. A
moda, aqui, foi ferramenta de marketing emocional: uma jogada para humanizar sua figura
e diluir associações negativas.
Agora que já aluguei um triplex na sua cabeça, vamos partir para um breve
entendimento de como e quando a moda se originou. Derivado do termo “modus”, que em
latim denota diferentes modos e costumes de um grupo em dado momento, possui ligação
direta com as diferentes características que marcam os estilos abrangentes nesses grupos.
Mas não se engane, a moda é um campo amplo que vai além da peça como fator estético.

Das Peles à Política: Breve História da Indumentária

Representação da Era Glacial. Foto: Reprodução.

Os primeiros registros de vestimentas vêm da Pré-História, quando peles de animais
protegiam o Homo sapiens do frio. Costuradas com vísceras e ossos, eram pura função —
até que, com a evolução humana, ganharam estética e simbolismo. Na Espanha dos
séculos XVII-XIX, leques não apenas refrescavam: seu movimento indicava estado civil ou
interesse romântico.
A moda também foi veículo de revoluções sociais. Nos anos 1920, Coco Chanel inseriu
calças — até então masculinas — no guarda-roupa feminino, refletindo a entrada das
mulheres no mercado pós-guerra. Décadas depois, tribos como hippies e punks usaram a
indumentária para rebelar-se contra sistemas, provando que roupas são manifestos.

Moda no Século XXI: Consumo e Consciência

Campanha “An Ordinary Day at the Jacquemus Atelier”. Foto: Reprodução.

Hoje, marcas como Jacquemus reinventam o marketing com campanhas-espetáculo,
enquanto consumidores exigem responsabilidade socioambiental. A moda segue cíclica,
mas seu impacto é permanente: cada padronagem, tecido ou frase estampada carrega um
discurso. Se Virginia Fonseca usou um moletom para desviar narrativas, outros usam ternos
para projetar autoridade ou cores vibrantes para desafiar normas.
A questão que fica é: quando vestimos um personagem — e quando somos nós mesmos?
Em um mundo onde a imagem é commodity, talvez a maior revolução seja consumir (e
vestir) com consciência crítica.

 

Texto: Fernando Fray (Fernando Fray é produtor de moda, formado em Têxtil e Moda, com experiência em editoriais do segmento para revistas e jornais. Colaborou na criação de textos e coluna periódica do gênero em veículos de comunicação.)