Os números revelam uma realidade alarmante. No Brasil, são descartadas anualmente 175 mil toneladas de resíduos têxteis, segundo a ABIT (2023), volume suficiente para encher 1.200 estádios do Maracanã. Quando analisamos o tempo de decomposição dos tecidos, o cenário fica ainda mais preocupante: enquanto fibras naturais como o algodão levam cerca de seis meses para se decompor, as sintéticas (como o poliéster) podem persistir no meio ambiente por até 200 anos, liberando microplásticos que já foram detectados até no sangue humano, conforme estudo publicado no Frontiers in Marine Science (2024).
Diante desse quadro, o consumo consciente vem ganhando espaço. A geração Z, por exemplo, compra 40% mais roupas em brechós do que a média global, como aponta relatório da ThredUp (2024). Esse movimento sinaliza uma mudança geracional nos hábitos de consumo, mas ainda esbarra na realidade avassaladora do fast fashion. Marcas como Shein e Zara produzem cerca de 1 milhão de peças diariamente (Changing Markets Foundation), muitas em condições de trabalho questionáveis, enquanto países como Gana se transformaram em depósitos de roupas descartadas pelo Ocidente – 40% delas completamente inutilizáveis, conforme denúncia do documentário The Or Foundation.

Felizmente, surgem alternativas que combinam estilo e responsabilidade ambiental. A americana Patagonia, por exemplo, reparou 100 mil peças em 2023 e doa 1% de seu faturamento para causas ambientais, defendendo a filosofia “Compre menos, exija mais”. No Brasil, a Think Blue se destaca no upcycling de denim, tendo transformado 2 toneladas de retalhos de jeans em sua coleção Manifesto 2023. A Insecta Shoes, por sua vez, cria calçados veganos a partir de garrafas PET, pneus usados e tecidos de brechó, evitando o descarte de 12 toneladas de resíduos em 2024.
O movimento por uma moda circular, impulsionado por iniciativas como a Ellen MacArthur Foundation, mostra que reutilizar vai muito além de uma tendência “ecochic”. É uma necessidade econômica e ambiental. Prova disso é o crescimento de 120% nos brechós online como Repassa e Enjoei no Brasil (2023), ou o sucesso de marcas como Re/Done (EUA) e Oriba (BR), que transformam peças vintage em itens exclusivos, vendidos por até três vezes o valor original.

A moda sustentável deixou de ser alternativa para se tornar imperativo. Em 2024, a escolha é clara: podemos continuar vestindo o problema ou adotar soluções práticas. Comprar menos, mas melhor, priorizando peças atemporais em detrimento de tendências fugazes. Exigir transparência, utilizando ferramentas como o app “Good On You” que avalia o impacto ético das marcas. E, principalmente, apoiar iniciativas inovadoras, desde brechós locais até marcas como Flavia Aranha, que resgata técnicas de tingimento natural.
O futuro da moda não será definido pelo que vestimos, mas pelo porquê vestimos. Enquanto toneladas de roupas continuam sendo descartadas a cada minuto, essa reflexão deixa de ser filosófica para se tornar uma questão de sobrevivência – para o planeta e para nossa própria consciência. De que lado dessa história você escolhe estar?
Texto: Fernando Fray (Fernando Fray é produtor de moda, formado em Têxtil e Moda, com experiência em editoriais do segmento para revistas e jornais. Colaborou na criação de textos e coluna periódica do gênero em veículos de comunicação.)