Tenho medo de avião. Não dele no chão. No chão, ele é um bicho gordo dormindo, um cachorro que se deixa acariciar. Mas no ar é outra coisa: um animal desobediente, um touro cego correndo num campo que não existe.
Olho pela janela e penso que não faz sentido aquilo voar. Parece uma geladeira flutuando. Uma geladeira que, por algum motivo, colocaram no céu.
Sempre dizem que voar é mais seguro que andar de carro. No carro, quando chacoalha, você sabe que foi um buraco. No avião, quando chacoalha, você pensa: “Pronto, acabou. Morri. E minha última refeição foi um pacote de amendoim de 12 gramas.” Olho para o lado e as pessoas continuam lendo, vendo filme, como se não estivéssemos todos dentro de um tubo de metal sacudido por forças invisíveis.
Foram doze horas até Paris. Doze horas em que a vida inteira veio me visitar, como uma pilha de papéis que você esqueceu de arquivar: fotos antigas, dívidas antigas, coisas que eu não disse e não vou dizer mais. A cada turbulência, pensava em Deus, com um certo constrangimento, é verdade.
Na poltrona ao lado, uma mulher com um terço rezava como quem disca um número que sabe de cor. E falava baixo, mas de um jeito que parecia ligação direta. Isso me tranquilizou. Pensei: se atenderem a ela, de algum jeito me colocam na mesma bênção.
Encostei a cabeça no banco, fechei os olhos e, por alguns minutos, não imaginei a asa caindo.
O pouso foi suave, desses que quase convencem você de que nada aconteceu. Mas eu sabia que não foi o piloto, nem o clima. Foi ela. Ou quem quer que estivesse do outro lado, ouvindo.
Texto: Elias Cavalcante (Escritor e jornalista. Escreve sobre o cotidiano).