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A morte dos nossos lugares

Os lugares estão sumindo. Evaporando. Escorrendo pelo ralo da especulação imobiliária e indo parar no esgoto de onde brotam os OXXOs.

Os lugares estão sumindo. Evaporando. Escorrendo pelo ralo da especulação imobiliária e indo parar no esgoto de onde brotam os OXXOs.

Alguém disse que somos a soma das pessoas e dos lugares por onde passamos. Se isso for verdade, então estamos todos terrivelmente lascados, porque, caros leitores, os lugares estão sumindo. Evaporando. Escorrendo pelo ralo da especulação imobiliária e indo parar no esgoto de onde brotam os OXXOs.

Nasci na Vila São José, região do Grajaú, ou Cidade Dutra, dependendo de para quem você pergunta (ou do CEP que colocar no app de entrega). Era periferia de São Paulo, feita de nordestinos, sírios, e toda uma gente que só queria viver a vida, pagar os boletos e, quem sabe, assar uma carninha no sábado.

Lá, tudo era pequeno e insubstituível: a padaria com pão duro depois das nove; o mercadinho onde se vendia de tudo; o hortifruti de chão molhado e manga madura; o salão de beleza onde as pessoas falavam gritando e riam mais alto ainda. E o bar, onde os homens se sentavam para tomar cerveja e reclamar dos patrões.

Esses lugares eram mais do que lugares. Eram personagens. Tinham cheiro, humor, memória. Você entrava neles e saía com fermento, uma bênção e dois escândalos da vizinhança.

Hoje, boa parte sumiu. No lugar, ergueram aqueles prédios-cubos com nomes que parecem desodorantes: “Essence”, “Blend”, “UP Town”. Fachadas de vidro fumê, recepção com escaninho pra entregador e alma nenhuma. E os OXXOs, claro, como um exército de lojas idênticas, programadas para vender água de coco por sete reais e não saber o nome de ninguém.

Não é saudosismo. Não quero voltar no tempo nem reencontrar o garoto que eu era, mas é que a cidade está virando outra, e no processo, estamos todos ficando um pouco menos, como se cada bar demolido arrancasse de nós um parágrafo. Cada hortifruti que fecha fosse uma borracha em cima de uma lembrança importante.

No fim das contas, estamos todos ficando mais práticos, e um tantinho mais tristes também.

Texto: Elias Cavalcante (Escritor, jornalista e publicitário. Escreve sobre o cotidiano com humor e uma boa pitada de ironia).