Ser cronista é isso: pegar as pequenas bobagens da vida, o que é ridículo, trágico ou engraçado e colocar uma lupa, destacar, sublinhar. Um vaso sanitário largado no meio da calçada pode parecer um tema fútil para ganhar destaque numa crônica de jornal, mas tem uma história ali, uma metáfora que merece ser contada.
O riso, nesse ofício, não é gratuito. É denúncia disfarçada. Uma forma de torcer o olhar para enxergar o mundo de outro jeito, mais original, mais humano. Sei que estou quebrando uma regra de ouro: cronista não explica a crônica. Mas paciência. Tento convencer, talvez mais a mim do que aos outros, de que apontar o ridículo é necessário. Ainda que eu mesmo não esteja totalmente convencido.
Como quase tudo que escrevo acaba tropeçando em alguma memória, lembrei de uma roda de amigos escritores, o tipo de encontro em que todo mundo finge estar à vontade, enquanto mede a profundidade das neuroses alheias. Em algum momento, o assunto descambou para o divórcio dos nossos pais. Alguém sugeriu que cada um contasse a primeira lembrança da separação. Remexi as gavetas da memória e, quando chegou minha vez, só consegui resgatar uma cena meio esquisita: eu, ainda com voz de desenho animado, perguntando ao meu pai se ele ia voltar. E ele, do alto da sua serenidade de adulto, respondeu: “Volto pra buscar minhas cuecas”.
Não sei se foi milagre, vocação ou a resposta do meu pai que ficou comigo, mas cá estou, cronista. Daqueles menores, é verdade. Meus olhos não foram feitos para grandes descobertas; foram treinados para perceber o detalhe, o ridículo e o cômico, mesmo quando tudo parece desmoronar. Com o tempo, percebi que prefiro rir do mundo a tentar arrumá-lo.
Texto: Elias Cavalcante
(Escritor, jornalista e publicitário. Escreve sobre o cotidiano com humor e uma boa pitada de ironia).